Regimes Jurídicos da Administração Pública

Armando Mercadante

A Administração Pública com o objetivo de satisfazer o interesse da coletividade envolve-se em diversas relações jurídicas com os particulares, impondo obrigações, conferindo direitos, contratando serviços, obras ou compras, provendo seus cargos, enfim, praticando inúmeras ações que ora serão regidas pelo direito público ora pelo direito privado, e em alguns momentos, por ambos, constituindo-se em um regime híbrido. A Administração Pública, portanto, convive com dois regimes, um de direito público e outro de direito privado, representados, em sentido amplo, pela expressão “Regimes Jurídicos da Administração Pública”.

É bastante comum o Poder Público alugar imóveis para o funcionamento de seus órgãos, devendo negociar com os particulares as condições contratuais. Neste caso, à Administração Pública não cabe impor o preço de aluguel que pretende pagar e as demais condições, colocando-se em posição de superioridade diante do particular. Nesta relação, Estado e particular, formalmente, estão em nível de igualdade, podendo o proprietário de o imóvel recusar-se a aceitar valor inferior à sua pretensão. Pela ausência da supremacia do Poder Público, a relação indicada caracteriza-se como de direito privado, o que não significa que o Estado não atue visando aos interesses coletivos. Sim, visa-os, mas o regime jurídico em questão não será de direito público (regime jurídico administrativo), mas predominantemente privatístico. Observe-se que haverá predominância de incidência das regras do direito privado, mas o Estado não se despe totalmente do regime público, pois não se despojará de alguns privilégios, como, por exemplo, prescrição qüinqüenal, juízo privativo e prerrogativas processuais.

Por outro lado, a Constituição da República e as leis indicaram o regime jurídico-administrativo como norteador da maioria das relações em que o Poder Público é parte, colocando-o em posição privilegiada diante do particular. Não quer isto significar que a Administração Pública, pela sua condição de verticalidade, não enxerga limites. Longe disto, pois como bem sintetizou Maria Sylvia Di Pietro, o regime administrativo resume-se em duas palavras: prerrogativas e sujeições.

As prerrogativas, que são desconhecidas no direito privado, face à posição de igualdade das partes envolvidas, permitem a Administração impor a sua vontade em prol do interesse coletivo. Todavia, não é livre para agir, pois enquanto os particulares fazem o que a lei não proíbe, o administrador público atua em restrita sintonia com a norma e apenas quando autorizado.

Daí surgir a feliz expressão “dever-poder”, que reflete com fidelidade a atuação do agente público. Enquanto atua como servo da lei, apenas fazendo o que ela permite, sempre voltado à consecução dos interesses da coletividade, possui, ao mesmo tempo e em aparente antítese, prerrogativas que lhe servem como poderosos instrumentos para garantir a consecução de seus objetivos.

É o que Maria Sylvia denomina de bipolaridade do Direito Administrativo, consistente na “liberdade do indivíduo e autoridade da Administração; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se a Administração Pública à observância da lei; é aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular”.

Prossegue a festejada autora listando algumas das prerrogativas conferidas à Administração Pública, como a de constituir os particulares unilateralmente em obrigações (unilateralidade); de aplicar sanções administrativas; de ocupar temporariamente imóvel alheio; de alterar ou rescindir unilateralmente os contratos; de impor medidas de polícia; prazos dilatados em juízo; processo especial de execução e presunção de veracidade e legitimidade de seus atos.

Em contrapartida, dentre as sujeições: observância da finalidade pública, princípios da moralidade administrativa e da legalidade, obrigatoriedade de dar publicidade aos atos administrativos e sujeição à realização de concursos públicos para seleção de pessoal.

Assim sendo, a lei é fonte de força e de sujeição para a Administração Pública. Por se sujeitar se coloca em posição de supremacia. Eis a essência do regime jurídico-administrativo.

Contudo, neste artigo, não poderia deixar de ser citado o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, que com sua genialidade indica dois princípios como as “pedras de toque” do regime jurídico administrativo: a) supremacia do interesse público sobre o privado; b) indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.